Passar para o conteúdo principal

Às voltas com as palavras

Percursos didáticos para a explicitação gramatical no primeiro ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico

                 

 

O que é? A quem é dirigido? O que vai encontrar?

É um conjunto de percursos didáticos que estimulam
a reflexão sobre a língua desde o primeiro ano do 1.º Ciclo
do Ensino Básico.

É dirigido a professores do Ensino Básico,
assim como a formadores e  estudantes de
cursos de formação de
professores do Ensino Básico.

Três níveis de informação:

1.º Fundamentação teórica das atividades propostas.

2.º Operacionalização das atividades (caderno do professor)

3.º Percursos a implementar em sala de aula (caderno do aluno).

 

Siga as estações e descarregue as brochuras

 
Ponto de partida Categorização 1 Triagem 1 Definição verbal 1 Manipulação Frásica 1
  Categorização 2 Triagem 2 Definição verbal 2 Manipulação Frásica 2
    Triagem 3 Definição verbal 3  


Nota Introdutória

Às voltas com as palavras - Percursos didáticos para a explicitação gramatical no primeiro ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico - é o resultado parcial do trabalho desenvolvido no âmbito do projeto PerGRam – Percursos para o ensino da gramática no primeiro ano de escolaridade, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo Centro de Linguística da Universidade de Lisboa/FCT.
Os Percursos disponibilizados online constituem um conjunto de recursos didáticos especificamente desenhados com o objetivo de promover atividades de reflexão sobre a língua no primeiro ano do Ensino Básico.
Ao longo do ano letivo de 2014-2015, foram concebidas e implementadas em sala de aula diversas propostas de trabalho, tendo-se procedido a ajustamentos e alterações decorrentes dessa experimentação e, sobretudo, das sugestões efetuadas pelos professores que colaboraram na sua implementação.
A adesão às propostas de trabalho, que se revelaram motivadoras e eficazes, quer do ponto de vista dos alunos quer dos professores, justificam plenamente a disponibilização, em acesso aberto, destes recursos didáticos, colocando-os ao dispor de uma comunidade alargada de professores.
São apresentados três Percursos cujas intersecções e ligações estão representadas num mapa. Para cada um deles definem-se objetivos, indicam-se os conteúdos privilegiados e apresenta-se um conjunto de atividades, visando a consecução dos objetivos definidos.
 

Refletir sobre a língua no 1.º Ciclo

A investigação realizada nos últimos 30 anos tem mostrado a importância do desenvolvimento da consciência linguística no contexto educativo, enfatizando a necessidade de que o trabalho de reflexão sobre a Língua se inicie logo nos primeiros anos de escolaridade. Gradualmente, os resultados da investigação começaram a fazer eco nos domínios da linguística educacional e da didática da língua, conduzindo uma mudança epistemológica no ensino da gramática que obriga a redefinir os seus princípios orientadores. Com essa mudança de paradigma, considera-se que o trabalho de reflexão sobre a língua tem um objetivo triplo: (1)

i) o desenvolvimento da consciência linguística dos alunos, num trabalho de observação, comparação e manipulação de dados, para descoberta de regularidades no funcionamento da língua;
ii) a sistematização e a explicitação dessas regularidades, sem implicar necessariamente o uso de terminologia gramatical;
iii) a mobilização dos conhecimentos adquiridos na compreensão e na produção de textos orais e escritos.

Uma vez que as aprendizagens escolares, particularmente da leitura e da escrita, exigem necessariamente o funcionamento da consciência linguística, “estimular a reflexão linguística na escola torna-se, portanto, uma necessidade vital que urge fomentar” (Sim-Sim, 1998: 215).(2)
Alguns trabalhos recentes têm mostrado que há um caminho alternativo ao ensino tradicional da gramática,(3) que não passa necessariamente pela apresentação de uma definição, com a subsequente realização de exercícios de treino, ou pela realização de simples tarefas de classificação (como, por exemplo, sublinhar os nomes e rodear os verbos num determinado texto). Desde muito cedo, os alunos estão aptos para realizar tarefas de observação, manipulação e sistematização de dados linguísticos, desde que devidamente orientados para o efeito.(4)
São, assim, necessárias estratégias de ensino que concretizem a exploração do conhecimento gramatical dos alunos através de atividades que promovam a atividade metalinguística, ou seja, a reflexão sobre a língua, numa perspetiva de ensino pela descoberta.(5)
 


Princípios orientadores

1. Contextualização das reflexões sobre a língua

A articulação entre a reflexão sobre a língua e as competências de compreensão e de produção textual constitui uma das dificuldades na prática em sala de aula. Contudo, apenas essa articulação permite que o ensino e aprendizagem da gramática cumpra o seu objetivo instrumental, ou seja, fazer com que o desenvolvimento progressivo da consciência linguística e do conhecimento explícito desempenhe o seu papel fundamental no desenvolvimento das competências de uso da língua.
Neste sentido, a reflexão sobre a língua não constitui um fim em si mesma e, para que as aprendizagens façam sentido, é necessário que sejam contextualizadas em atividades de oralidade, escrita e leitura.
Nos Percursos aqui desenhados privilegia-se a contextualização das atividades de reflexão sobre a língua ao ancorar o trabalho de exploração gramatical no âmbito do trabalho realizado em torno de uma história que se constitui como contexto significativo para as atividades propostas.
Assim, todos os percursos partem da exploração de um texto, que supõe previamente a sua leitura integral, sendo apresentada, na secção Preparação para a atividade, uma proposta de dinamização mínima do livro, o que não obsta a que esse livro seja alvo de um trabalho mais amplo a que se associa a sequência de atividades de reflexão sobre a língua.
Será desejável que os livros indicados possam ser contemplados na planificação anual do professor e possam integrar rotinas como a Hora do Conto, Ler, Contar e Mostrar, Biblioteca da sala, Círculo de leitura, entre outras, que estejam em funcionamento na sala de aula.

2. Utilização da terminologia gramatical como instrumento, e não como fim em si mesmo

Embora a terminologia gramatical seja um instrumento indispensável à análise linguística, para refletir sobre a língua não é absolutamente necessário usar a terminologia gramatical. Por exemplo, na produção textual são usados marcadores discursivos, como organizadores temporais (depois, no dia seguinte, então), organizadores espaciais (em cima/em baixo, à esquerda/à direita, ao lado de), conectores argumentativos (porque, pois), conectores contra-argumentativos (mas, no entanto) etc., sem que seja necessário o professor usar esta terminologia para fornecer orientações para os alunos escreverem um texto.
Os termos gramaticais são instrumentos que servem para analisar a língua, mas não devem ser o objetivo da reflexão sobre a língua, o objetivo dessa reflexão é observar as formas da língua, descobrir regularidades e compreender o seu funcionamento, contextualizado em situações de uso.
Assim, a terminologia gramatical deverá ser introduzida gradualmente tendo em conta os objetivos de aprendizagem, a progressão dos conteúdos e os conhecimentos prévios dos alunos.
Por se tratar do primeiro ano de escolaridade e, como tal, o início da progressão de conteúdos gramaticais no primeiro ciclo, opta-se por não introduzir terminologia gramatical nas atividades propostas. Assim, o objetivo do Percurso 1 – Triagem de Palavras, por exemplo, é precisamente levar os alunos a observar, comparar e descobrir regularidades relativas às (classes de) palavras.

3. Adequação das atividades ao estádio de desenvolvimento linguístico das crianças

O trabalho de reflexão sobre a língua materna parte necessariamente do reconhecimento de que existe uma relação entre conhecimento intuitivo da língua (gramática implícita) e conhecimento explícito da língua (gramática explícita). As crianças são falantes competentes, que mobilizam de forma automática regras gramaticais para gerar e produzir enunciados na sua língua, mas fazem-no de forma inconsciente. Dessa sua condição de falantes de uma língua, faz parte a intuição linguística e a progressiva capacidade para fazer juízos acerca das estruturas da sua língua. Podemos identificar rudimentos desta capacidade por volta dos três/quatro anos de idade, variando o grau de consciência linguística em função da idade do sujeito e do nível de mestria da língua. É porque possuímos esta capacidade, que requer a consciência e controlo de tarefas linguísticas, que “achamos graça às anedotas, que criamos rimas, que reconhecemos que uma frase está ou não correta, que compreendemos e produzimos metáforas, que encontramos sinónimos, enfim, que tratamos a língua como um objeto de análise e de estudo.”(2)
Cabe então ao sistema de ensino, desde a educação pré-escolar, a tarefa de estimular o aprofundamento do conhecimento intuitivo que a criança tem da língua e, a partir desse conhecimento, fazer com que a reflexão sobre a língua progrida para estádios cada vez mais elaborados do conhecimento metalinguístico, ou seja, do conhecimento explícito do funcionamento gramatical da língua.
Torna-se, pois, essencial que o professor tome consciência do grau de desenvolvimento linguístico dos seus alunos, quer para que possa promover reflexões estimulantes sobre o funcionamento da língua, quer para evitar propor atividades de reflexão sobre estruturas linguísticas que a criança ainda não domina. A intervenção pedagógica deverá, assim, ter em conta a zona de desenvolvimento próximo, nos termos de Vygotsky.
De acordo com estes pressupostos, o professor terá de avaliar a adequação das atividades aqui propostas ao estádio de desenvolvimento dos seus alunos. Tratando-se de um grupo de primeiro ano, é previsível que a sua implementação não se inicie antes do segundo trimestre, de modo surgir depois da iniciação da aprendizagem da leitura e da escrita. Contudo, não é necessário que os alunos tenham adquirido completamente essas competências. Por outro lado, de acordo com os contextos, estes Percursos poderão ser adequados para um grupo de segundo ano, com ligeiras adaptações.

4. Promoção da descoberta e da exploração lúdica do funcionamento da língua

As propostas de reflexão sobre a língua não têm de ser repetitivas, previsíveis, baseadas na memorização de etiquetas ou definições e desligadas do trabalho desenvolvido nas competências de leitura, escrita e oralidade, como era habitual na abordagem ‘tradicional’ do ensino da gramática.
Uma forma de envolver o aluno em aprendizagens significativas é fazer com que seja ele o agente ativo da construção dos conhecimentos. A opção por metodologias de ensino pela descoberta permite que o aluno construa o conhecimento em interação com os seus pares, com a mediação do professor. Por esta razão, as atividades propostas nestes Percursosenvolvem sempre momentos de trabalho de grupo, de forma a permitir a atividade metalinguística, ou seja, a verbalização e troca de ideias acerca das estruturas linguísticas.

5. Progressão em espiral dos conteúdos gramaticais

A progressão em espiral dos conteúdos gramaticais supõe a organização dos conhecimentos gramaticais num todo coerente, uma vez que a sua hierarquização facilita o processo de recuperação desses conhecimentos, e permite evitar uma repetição circular e estéril dos mesmos conteúdos ao longo dos anos. Assim, se pensarmos na categoria adjetivo, o ponto de partida da progressão será uma abordagem indutiva (tarefa de triagem) que conduzirá à descoberta das características comuns a um determinado conjunto de palavras, seguindo-se a categorização desse grupo, com recurso à metalinguagem, em simultâneo com a exploração das suas características morfossintáticas (distribuição, flexão) e textuais. Mais tarde explorar-se-ão as subclasses de adjetivos (qualificativos, relacionais) em relação com o seu papel em sequências textuais descritivas e expositivas, por exemplo.

6. Desenvolvimento da consciência linguística e aprendizagem da leitura e da escrita

A ideia de que a reflexão sobre a língua deve acompanhar, desde os primeiros anos de escolaridade, o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita é atualmente consensual no âmbito da didática da língua materna. Este consenso dever-se-á ao facto de a investigação realizada nesta área ter vindo a demonstrar que, para se atingir um nível elevado de desempenho na competência de escrita e na compreensão de leitura, é necessário um profundo conhecimento da língua, ou seja, um conhecimento explícito do seu funcionamento.

Neste sentido, o sucesso dos alunos nas competências de leitura e de escrita apresenta uma estreita relação com:
i) o nível de desenvolvimento da linguagem oral da criança (nomeadamente no campo lexical e sintático);
ii) a capacidade que o sujeito possui para refletir sobre o conhecimento implícito da sua língua materna (consciência fonológica, lexical e sintática);
iii) o contacto prévio com materiais de leitura antes do ensino formal.(7)

Saber mais

1. Reis, C. (Coord.), Dias, A., Cabral, A., Silva, E., Viegas, F., Bastos, G. & Pinto, M. (2009). Programa de Português para o Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.
2. Sim?Sim, I. (1998). Desenvolvimento da Linguagem. Lisboa: Universidade Aberta.
3. Pereira, S. (2010). Explicitação Gramatical no 1.º Ciclo. In O. Sousa, & A. Cardoso (eds.) Desenvolver competências em Língua: Percursos didáticos. Lisboa, Edições Colibri (pp. 145174).
4. Santos, A., Cardoso, A. & Pereira, S. (2014). Às voltas com as palavras: Desenvolvimento da consciência linguística no 1.º ano de escolaridade. Tijuelo, 10, 84-100.
5. Costa, J., Cabral, A., Santiago, A. & Viegas, F. (2011). Conhecimento Explícito da Língua: guião de Implementação do Programa. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.
6. Cardoso, A. (2008). Desenvolver competências de análise linguística. In O. Sousa, & A. Cardoso (eds.) Desenvolver competências em Língua Portuguesa. Lisboa, CIED/ESELx (pp. 137-172).
7. Sim-Sim, I. (2011). Avaliação da linguagem oral: Um contributo para o conhecimento do desenvolvimento linguístico das crianças portuguesas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

 

Gramática no primeiro ano de escolaridade? 

Sabemos que é fundamental que os professores, desde os primeiros anos de escolaridade, desenvolvam estratégias de promoção do desenvolvimento linguístico dos seus alunos, que os envolvam em tarefas de observação, manipulação e sistematização de dados, mas será possível fazê-lo desde o primeiro ano? Esta foi uma das questões colocadas pelas professoras que implementaram os Percursos em turmas do primeiro ano de escolaridade, sobretudo porque os alunos tinham apenas iniciado aprendizagem formal da leitura e da escrita.
Da experiência de implementação dos Percursos resultou um conjunto de sugestões que permitiram fazer adequações didáticas, de forma a que estes percursos não sejam considerados demasiado exigentes para um primeiro ano de escolaridade. Antecipando esta possível reação às propostas aqui efetuadas, fornecemos desde já algumas respostas.

As propostas de atividades são demasiado difíceis para alunos do primeiro ano?
Não.  As atividades propostas:

  • São adequadas para o nível de ensino a que se dirigem, sendo, no entanto, necessário ter em conta o desenvolvimento linguístico dos alunos.
  • Supõem pequenas tarefas de leitura, mas a competência de leitura não tem de ser muito desenvolvida para os alunos conseguirem usar o Material do aluno, uma vez que se privilegiam o recurso a imagens e estratégias de leitura global.
  • Supõem a gestão por parte do professor. Uma vez que os Percursos assentam no conceito de Zona de Desenvolvimento Próximo, está previsto o trabalho entre pares com a mediação do professor. O facto de a construção do conhecimento ser centrada no aluno não significa que se trata de atividades que os alunos possam realizar em total autonomia.

A realização dos Percursos exige competências para além do domínio da língua?
Sim. Uma das dificuldades sentidas pelas professoras que colaboraram na sua implementação prendia-se com o facto de serem convocadas para as tarefas competências em desenvolvimento nesta faixa etária que, não sendo de natureza linguística, podem dificultar a realização das atividades:

  • Motricidade fina - manuseamento de tesoura e cola (pode optar-se por ser o professor a recortar as palavras nos momentos de trabalho de grupo).
  • Trabalho colaborativo – realização de trabalho em pequenos grupos.

Os Percursos apresentados cobrem todo o trabalho a realizar no âmbito da reflexão sobre a língua no 1.º ano?
Não. São necessárias atividades dirigidas a outros domínios da gramática, como, por exemplo, a estimulação da consciência fonológica, entre outros.
Finalmente, importa sublinhar que os Percursos construídos constituem exemplos de atividades a desenvolver, esperando que constituam um desafio para os professores construírem novos recursos didáticos, uma vez que os objetivos de aprendizagem só poderão ser atingidos se o professor continuar com regularidade o tipo de tarefas propostas.
 

Como usar os Percursos?

Embora seja possível alguma liberdade na forma como é feito o caminho, o desenho do mapa indica uma sequencialidade predeterminada. Os Percursos privilegiam, sequencialmente, como domínios de estimulação da consciência linguística:

  • A noção de fronteira de palavra, através de tarefas de segmentação e reconstrução frásica (consciência fonológica e lexical).
  • A identificação de propriedades das palavras, através de tarefas de manipulação/reconstrução frásica e de categorização (consciência lexical e sintática).
  • A noção de frase, através de tarefas de ordenação de palavras e identificação de sequências agramaticais (consciência sintática).
  • A definição verbal, através do estabelecimento de relações de hiperonímia/hiponímia e de parte/todo (consciência lexical).

Para permitir uma utilização autónoma destes percursos didáticos, cada atividade é organizada em etapas presentes em duas secções articuladas entre si: o material do aluno (atividade, organizada em etapas, e materiais necessários à sua operacionalização) e o material do professor (propostas de operacionalização e explicitação das atividades, respostas esperadas, grelhas de avaliação). A etapa é, portanto, a unidade de referência em que se baseia o sistema de correspondências internas entre o Material do professor e o Material do aluno.

O mapa que representa os Percursos tem assinalado um Ponto de Partida, em que são apresentados os símbolos que vão fornecer, no Material do aluno, informações relativas à modalidade de trabalho e tipo de instrução (observar, colar, ...), devendo ser necessariamente esta a atividade inicial. Cada atividade dos Percursos corresponde a uma brochura em formato PDF, disponível para download.